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Resposta Sexual Feminina

Revista SGOB – Janeiro/Fevereiro de 2013

ARTIGO

UM NOVO OLHAR SOBRE A SEXUALIDADE FEMININA: MODELO CIRCULAR

Renata Ribeiro: pós-graduada em sexualidade pela USP. Título de Atuação em Sexologia pela FEBRASGO.

RESUMO

Durante o século XX, desde os estudos de Masters e Johnson, na década de 60, o ciclo de resposta sexual foi descrito como linear, intransponível e semelhante para homens e mulheres. Essa visão vem se modificando a partir dos estudos de Rosemary Basson, que descreve, em mulheres em relações mais duradouras, um ciclo de resposta circular que pode iniciar a partir de um estado de neutralidade (desejo responsivo) e não a partir de desejo espontâneo. Nesse modelo, aceita-se que a resposta sexual pode ser desencadeada por motivações não sexuais e que pode haver uma sobreposição das fases do ciclo de resposta sexual.

O início das pesquisas científicas sobre o funcionamento sexual humano ocorreu em 1954, no Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Escola de Medicina da Universidade de Washington, pelos pesquisadores William Masters e Virginia Johnson, considerados os pioneiros nesse trabalho.

Masters e Johnson descreveram as reações fisiológicas aos estímulos sexuais e propuseram uma classificação do ciclo de resposta sexual masculino e feminino em quatro fases (modelo linear de Masters e Johnson):

• Fase de excitação: inicia-se com um estímulo somático ou psíquico que, caso adequado, levará à próxima fase;

• Fase de platô: as tensões sexuais são intensificadas e, subsequentemente, atingem o nível extremo;

• Fase orgásmica: é o clímax involuntário com duração de poucos segundos em que os impulsos sexuais geram vasoconstrição e miotonia;

• Fase de resolução: fase involuntária de diminuição da tensão, retorno ao estado de “não estimulação” (Masters

e Johnson, 1984).

Na década de 70, esse modelo foi questionado por Helen Kaplan, que enfatizou a importância do desejo (apetite sexual desencadeado no cérebro) como “gatilho” para a deflagração do ciclo da resposta sexual (Kaplan, 1977).

A partir de 1980, a Associação Psiquiátrica Americana (APA) passou a considerar o ciclo de resposta sexual constituído por quatro fases: desejo, excitação, orgasmo e resolução (APA, 1980).

Esse modelo linear de resposta sexual foi definido tanto para homens como para mulheres e orientou as classificações diagnósticas atuais, entre elas o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da Associação Psiquiátrica Americana (Abdo, 2010).

Porém, a partir de 2001, a pesquisadora canadense Rosemary Basson publicou artigos que traziam uma nova proposta de entendimento da sexualidade feminina, especialmente em mulheres que se encontram em relacionamentos de longa duração.

           MODELO CIRCULAR DE ROSEMARY BASSON

Segundo Basson, o desejo sexual, em determinadas situações, pode ser um estímulo menos importante para o início de uma relação sexual. Algumas outras razões para o início de uma atividade sexual seriam: aumentar a proximidade emocional com o parceiro, investir no vínculo e no comprometimento, desejo por sentir-se atraída e atraente para o parceiro, desejo de dividir e sentir prazer sexual (Basson, 2001).

Dessa maneira, seria possível iniciar uma relação sexual partindo-se de um estado de neutralidade sexual, porém com vontade de que essa condição se modifique ao se permitir que o estímulo sexual desencadeie a excitação e que o desejo se mantenha por razões sexuais, e não mais apenas pela busca da intimidade (Basson, 2001).

Conforme esse modelo, estímulos inicialmente “não aceitáveis” podem não apenas se tornar “aceitáveis”, como também extremamente prazerosos. Esse modelo enfatiza que algumas ou muitas experiências sexuais iniciam-se a partir de um estado mental “não sexual”. Nessas condições, a motivação para a busca de um estímulo sexual não é primariamente sexual (Basson, 2001).

Segundo Basson, o desejo sexual antecipatório é mais típico nas mulheres que se encontram em relacionamentos mais recentes e, nessas, constitui a principal razão para a busca de um envolvimento sexual (Basson, 2008).

A mulher pode iniciar o ato sexual a partir de um estado de neutralidade e, motivada pela busca da intimidade e proximidade do parceiro, se tornar receptiva aos estímulos eróticos que despertariam seu desejo sexual e aumentariam sua excitação (Basson, 2001).

Dessa forma, esse modelo aceita a superposição de fases e propõe que, mesmo na ausência do desejo sexual, mulheres iniciem ou aceitem participar de uma relação sexual motivadas por diversas razões (Basson, 2008).

Nesse modelo, o desejo pode suceder à fase da excitação e, após o orgasmo, a mulher poderia retornar à fase de excitação, havendo, portanto, uma superposição de fases em ordem variável (Baram e Basson, 2008).

Essa receptividade aos estímulos eróticos seria influenciada por três fatores: real motivação em responder aos estímulos e vontade de aumentar a intimidade, satisfação física e emocional com o ato sexual (resultados gratificantes) e aspectos favoráveis à receptividade, como ambiente adequado, privacidade, confiança e segurança (Baram e Basson, 2008).



Alguns aspectos que poderiam diminuir o desejo e excitabilidade são: distrações, fadiga, doenças crônicas (Alexander et al, 2006), experiências sexuais prévias negativas, vergonha, culpa, falta de segurança (emocional, física ou sexual), medo de uma gravidez indesejada, medo de ser infértil, medo de contrair uma doença sexualmente transmissível (Baram e Basson, 2008; Basson, 2004).

O aumento da proximidade emocional do casal, interação, comprometimento mútuo, tolerância em relação às imperfeições de cada um e expectativas de agradar o parceiro, tudo serve como fator motivador para ativar o ciclo (Alexander et al, 2006; Basson, 2001b).

          CONCLUSÃO

 O esclarecimento dos “limites normais” de resposta sexual pode levar a uma sensação de esperança e de normalidade que pode, por si só, ser terapêutica para o casal que se achava disfuncional (Basson, 2001b).

Esse modelo parece aumentar o entendimento das mulheres em relação as suas dificuldades e, de certa forma, tranquilizá-las pela possibilidade de que mudanças em determinadas áreas possam tornar esse ciclo mais eficiente (Basson, 2001b).


 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

                   

 1)   Masters WH, Johnson VE. O ciclo da resposta sexual. In Masters WH e Johnson VE. A resposta sexual humana. São Paulo: Roca; 1984. p. 3-7.


2)    Kaplan HS. Hypoactive sexual desire. Journal of Sex & Marital Therapy. 1977; 3(1): 3-10.

 

3)    American Psychiatry Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 3a ed. Washington (DC): APA; 1980.

 

4)    Abdo CHN. Ciclo de resposta sexual, neuropsicofisiologia e neuropsicopatologia da função sexual. In: Sexualidade Humana e seus Transtornos. 3a ed. São Paulo: Leitura Médica, 2010. p 29-47.

 

5)    Basson R. Human sex-response cycles. Journal of Sex & Marital Therapy. 2001; 27(1): 33-43.

 

6)    Basson R. Women’s sexual desire and arousal disorders. Primary Psychiatry. 2008; 15(9): 72-81.

 

7)    Baram DA, Basson R. Sexualidade, disfunção sexual e violência sexual. In: Berek JS, editor. Tratado de Ginecologia. 14a ed. Rio de Janeiro: Guanabara; 2008. p. 238-61.

 

8)    Alexander JL, Dennerstein L, Burger H, Graziottin A. Testosterone and libido in surgically and naturally menopausal women. Women health (Lond Engl). 2006; 2 (3): 459-77.

 

9)    Basson R. Introduction to special issue on women’s sexuality and outline of assessment of sexual problems. Menopause. 2004; 11(6): 709-13.

 

10) Basson R. Using a different model for female sexual response to adress women’s problematic low sexual desire. Journal of Sex & Marital Therapy. 2001; 27(5): 395-403.

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